domingo, 19 de abril de 2009

Todo o tempo do mundo

Eu vi quando você me viu, seus olhos pousaram nos meus num arrepio sutil.
Eu vi, pois é, eu reparei!
Já lhe disseram uma vez que, “os olhos que não te enxergam, vão te enxergar, espere pra ver”, e não levou muito em consideração. Achou bonito, mas ao mesmo tempo sempre acreditou que não é assim que acontece, e não ia mudar sua visão assim, tão rápida.
Você me tirou pra dançar, sem nunca sair do lugar

Sem botar os pés no chão, sem música pra acompanhar
Acordou um dia, fez tudo o que tinha que fazer em casa: lavou a louça, arrumou a cozinha, colocou as almofadas do sofá da sala no lugar, desligou a televisão que havia dormido ligada, colocou o telefone no lugar, arrumou a cama, a bagunça dos papéis no quarto, abriu as janelas, deixou o sol entrar, colocou qualquer roupa e desceu para comprar o caderno de notícias do dia.

Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo, e o mundo todo se perdeu.

“Bom dia, menina”, ouviu da faxineira do prédio; um longo ‘booom dia, tudo bem?’ recebeu do porteiro; e um ‘dia’, tímido da moça que passava para dentro do gradil com suas compras pesadas na mão. Saiu do prédio e parou na calçada fora do espaço da faixa de pedestres, claro, e esperou os carros pararem e deixarem passar.

Eu vi quando você me viu, seus olhos buscaram nos meus o mesmo pecado febril.

Eu vi, pois é, eu reparei!

No momento em que seu pé se pôs no asfalto, em meio a mais cinco pessoas que estavam no mesmo espaço, atravessando a rua num fluxo contrário, um olhar cruzou com o dela. Era alto, loiro, magro, tinha os olhos da cor do mar. Os olhares se cruzaram em um fragmento de segundo, e fez crescer um turbilhão.
Você me tirou todo o ar pra que eu pudesse respirar
Eu sei que ninguém percebeu, foi só você e eu.
Vestia uma calça jeans surrada e um all star preto, como o seu. Uma camiseta branca por baixo de um suéter verde musgo, e carregava traços fortes, de homem. Andava despojado, e não levava nada nas mãos. Ele olhou, e por isso ela também olhou. Olhares compenetrados, de esguio, tímidos, interessados. O tempo parecia ter desacelerado.
Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo, e o mundo todo se perdeu
Ambos continuaram a andar. Ele continuou para lá, e ela para cá rumo à banca de jornal, rindo à toa no meio da rua, preenchida por emoções que não soube controlar no meio do vazio que habitava dentro de si, e deixou sua imaginação criar asas. “Oi, tudo bem? Tem o ‘Estado’ de hoje ainda?”, “Tem. Mas escuta, porque você sempre compra jornal de dia de semana? É tipo quando ‘dá na telha’?”, “Ah, é sim, compro só quando me interessa”. Depois desse dia passou a comprar o jornal todos os dias.
Ficou só você e eu.
(Quando você me viu).

2 comentários:

  1. o mais genial de textos como esse é que só voce pode entender. pra nós, leitores, só resta dizer que está extremamente bem escrito.

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