Em Um Fim De Noite



Em um fim de noite (I)

A chuva e os trovões caíam lá fora. Os guarda-chuvas estavam todos ensopados na porta de entrada que abria e fechava sozinha ao soar de um novo vento.
-E aí, me conta, como você está?
(Como estou? Rá. As vezes minha vida parece um filme. Um filme mudo. Acontecem coisas que se eu contar, ninguém acredita. Mas eu? Ah! Estou péssima. Confusa, perdida. Questionando o porque aquele maldito ônibus, num dia chuvoso como hoje resolveu passar justamente perto de mim e jogar toda a água da chuva que estava no chão na minha meia calça; o porque meu guarda-chuva virou quando o vento forte passou; o porque eu pisei na poça d'água; o porque eu quase caí do quinto degrau da escada; e o porque esqueci de fazer algo que tinha de ser feito; o porque de tantas coisas. Pareço uma barata tonta que tenta salvar o mundo, às vezes. E fico corada quando te vejo, é fato. Sinto um frio na espinha. Sinto uma ansiedade na barriga. Me arrumo toda antes de chegar até você. Ah, se você soubesse. E, sinto, muitas vezes, por não poder te ver, e principalmente, por querer que seja você a pessoa que me diga que vai ficar tudo bem no meio do turbilhão).
-Ah, estou bem (e sorriu). Adoro o frio e dias chuvosos.
-Moça, me vê dois cafés expressos, por favor.
Atendente: -Puro ou com leite, senhor?
-Puro. Vamos nos sentar?
-Não, não. Tenho pressa. A chuva ainda cai lá fora.
Atendente: -Senhor, seu café.
Ele (com as xícaras nas mãos): -A chuva não tem pressa. Ninguém sabe quando termina.
Ela: -Tá bom. Mas só um café antes de eu ir, só... um, um... café.

Em um fim de noite (II)

A chuva e os trovões caíam lá fora. Os guarda-chuvas estavam todos ensopados na porta de entrada que abria e fechava sozinha ao soar de um novo vento. Enquanto ela e ele tomavam o café, na mesa ao lado um rapaz alto dos cabelos loiros e dos olhos verdes esperava seu pedido ser entregue.
- Senhor, seu pedido.
- Obrigado.
Ao dar o primeiro gole no café seus pensamentos não conseguiam apenas estar no café e no pão de queijo. Só pensava no motivo de estar sentado ali. Sozinho. Ele, o café e o pão de queijo. As tentativas de excluir o amor da sua vida foram inúmeras. Desastrosas. Por mais que não escute mais as mesmas músicas, não veja as mesmas pessoas, não viva o mesmo tempo, jogue as fotos e as cartas fora, é impossível. O que aconteceu ainda vive.
Ao engolir e morder o pão de queijo olhou pela janela e viu o vento forte levando a água da chuva embora. Deu mais um gole no café. Quando seus olhos voltaram para o lugar onde estavam uma névoa sentou-se a sua frente. Tinha cabelos longos, pretos, olhos castanhos e usava maquiagem forte nos olhos. E um arrepio na espinha se fez.
- Só você não entende. Não adianta excluir do material, se você não exclui do imaterial.
- Eu não consigo.
- Não consegue porque não quer.
Assustado, deu mais um gole no café.
- Eu sempre sei. Estou aqui só porque você pediu. E te digo, chega!
A porta de entrada que abria e fechava sozinha ao soar de um novo vento, foi escancarada no entrar e sair de pessoas que deixou o vendaval entrar e levá-la embora junto com as folhas caídas na calçada do lado de fora.


Em um fim de noite (III)

Enquanto a chuva e os trovões caíam lá fora e os guarda-chuvas todos ensopados na porta de que abria e fechava sozinha, ao soar de um novo vento; enquanto ela e ele tomavam o café, e junto com o rapaz alto dos cabelos loiros e dos olhos verdes da mesa ao lado que esperava seu pedido ser entregue, uma senhora sentada ao lado da janela onde os ventos e as gotas da chuva batiam e faziam chiar, de cabelos ruivos, chamou a atenção.
As rugas já não lhe preocupam mais. Muito menos os cabelos brancos que todo o mês são cobertos por uma tinta vermelha que os esconde. Naturalmente é morena. Tem os cabelos castanhos claros. Mas quem liga? Ela não liga, o importante é cobrir a velhice. Tem a boca gorda e vermelha, os olhos azuis céu e a pele bem branca. Um tailler vermelho cereja e um casaco de lã preta esquentam e protegem o seu corpo da aparição pública. Se alguns olhassem, diriam que era uma boneca de porcelana. Só que empoeirada pelo tempo.
- Seu pedido, senhora.
- Ah, obrigada. A propósito, você sabe que horas são?
- Só um minuto, senhora.
-Senhora? Senhora está no céu. (risos)
- São exatamente 15:15.
(Você sabia que quando os minutos cruzam no mesmo tempo, alguém está pensando em você? Eu não tenho ninguém para pensar em mim. Nunca tive. E sempre desejei. O tempo fez com que eu ficasse aqui sentada tomando café e deixasse a vida passar. Sempre quis, mas nunca deixei o Cólera me pegar de vez. Eu era jovem, linda, tinha um futuro. Ele também. E nós nos amávamos. Mas o tempo não foi um bom companheiro. Até hoje tento evitá-lo de todas as formas. Não suporto. É sério. Tem alguns que dizem que eu tenho uma doença crônica. Chamada sede-de-tempo. Dizem tantas bobagens, e, dentre elas, que eu tento recuperar todo o tempo perdido. Que vivo dentro de um passado não-liberto, e que me entrego a novidades-falsas por causa de tal fato. Tanta bobagem!)
- Ah, obrigada. Frio, não? Acho que nós, mulheres, ficamos muito mais elegantes nesse tempo.
- Pois não?
-O tempo.
-Ah, sim. Chove, né?
-Com licença, senhora. Estão a me chamar.
E fez que sim com a cabeça. Olhou a rua, as pessoas. Acompanhou o movimento dos pingos d'água que explodiam ao cair no chão, e suspirou ao tomar o primeiro gole do café.

Em um fim de noite (IV)

A chuva e os trovões caíam lá fora. Os guarda-chuvas estavam todos ensopados na porta de entrada que abria e fechava sozinha ao soar de um novo vento.
-E aí, me conta, como você está? (Como estou? Rá. Ás vezes minha vida parece um filme. Um filme mudo. Acontecem coisas que se eu contar, ninguém acredita. Mas eu? Ah! Estou péssima. Confusa, perdida. Questionando o porque aquele maldito ônibus, num dia chuvoso como hoje resolveu passar justamente perto de mim e jogar toda a água da chuva que estava no chão na minha meia calça; o porque meu guarda-chuva virou quando o vento forte passou; o porque eu pisei na poça d'água; o porque eu quase caí do quinto degrau da escada; e o porque esqueci de fazer algo que tinha de ser feito; o porque de tantas coisas. Pareço uma barata tonta que tenta salvar o mundo, às vezes. E fico corada quando te vejo, é fato. Sinto um frio na espinha. Sinto uma ansiedade na barriga. Me arrumo toda antes de chegar até você. Ah, se você soubesse. E, sinto, muitas vezes, por não poder te ver, e principalmente, por querer que seja você a pessoa que me diga que vai ficar tudo bem no meio do turbilhão).
-Ah, estou bem (e sorriu). Adoro o frio e dias chuvosos.
-Moça, me vê dois cafés expressos, por favor.
Atendente: -Puro ou com leite, senhor?
-Puro. Vamos nos sentar?
-Não, não. Tenho pressa. A chuva ainda cai lá fora.
Atendente: -Senhor, seu café.
Ele (com as xícaras nas mãos): -A chuva não tem pressa. Ninguém sabe quando termina.
Ela: -Tá bom. Mas só um café antes de eu ir, só... um, um... café.