domingo, 8 de fevereiro de 2009

A Banca R. L

Todos os domingos era o mesmo ritual. Eu descia para comprar o jornal e quando chegava na Banca lá estava ele, quieto, com um sorriso no rosto, olhando para a televisãozinha, de óculos fundo de garrafa com a armação grossa e vezes com camiseta de futebol, preferencialmente a do Santos Futebol Clube de mil oitocentos e bolinha.
Sempre perguntava se estava tudo bem, e ele respondia: "melhor agooooora, minha linda! Fala aí, o que você manda?" e já ia colocando a Folha de São Paulo em um saquinho. Eu não precisava falar nada, ele já sabia. Era uma simpatia! Um dia de tanto conversarmos, saí sem pagar o jornal e só me toquei no final do dia quando a banca não estava mais aberta. Absurdo, absurdo, eu pensava, como fui esquecer? E segunda feira apareci lá para pagar a dívida, e ele com toda a simpatia do mundo recebeu o dinheiro como se não tivesse lembrado que eu tinha esquecido de pagar. Era uma personagem da minha vida, minha alegria matinal de domingo.
Terça-feira dessa semana que passou, minha mãe chegou com uma notícia não muito boa pra me contar. Enrolou, enrolou, e no meio de outra história, emendou com um ar de penar, sabendo que eu ia entrar em choque: "Andréa, minha filha, você não sabe o que aconteceu! O seu Raimundo morreu".

Por um segundo eu procurei 'Raimundo' dentro da minha cabeça, e quando me dei conta, entrei em perfeito choque, soltei um suspiro e minha coluna foi a baixo: "Como assim o seu Raimundo, mãe? Fui comprar jornal domingo e estava tudo bem!". Aí ela me explicou que ele passou mal segunda feira, foi parar no hospital com uma suposta pneumonia, e voltou pra casa na terça, mas não agüentou. Eu continuava em choque. Como era possível? Engraçado como são as coisas da vida. Um dia aqui, e no outro, a gente não sabe.
Fiquei abalada de um jeito que achei que não ficaria. Evitei por alguns dias até passar pela mesma calçada onde fica a banca para não ter que encarar. Mas não teve jeito, chegou o domingo e fui até lá comprar o jornal. Sem ele, quem cuida da Banca são seus dois filhos, que são outras simpatias. E dele ali, só o que havia era uma foto, com a data, o local e a hora da missa de sétimo dia, e o nome da banca 'R.L'. Não faço a mínima idéia do que seja o L, mas presumo que seja de Leal. Querido por todos, seu Raimundo da Banca foi uma personagem de várias histórias que se foi, espero que muito bem, e vendendo jornal em paz com as estrelas no céu.

3 comentários:

  1. Déia, que lindo! Tenho orgulho de vc, pessoas sensíveis são sempre benvindas nesse mundo cruel que banaliza a morte. Leia o Benjamin.
    bacci

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  2. Raimundo aqui. Benjamin ali.
    É certo que essa dor é uma repetição, uma batida monocórdica e fúnebre. Ouvi-la novamente é apenas questão de tempo.

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